FACULDADE METROPOLITANA DA GRANDE FORTALEZA

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terça-feira, 25 de março de 2014

PEREIRINA:UMA GLÓRIA BRASILEIRA?

O farmacêutico brasileiro Ezequiel Corrêa dos Santos (1801-1864), pai, dedicou-se ao estudo químico das cascas do pau-pereira. Em 1838, isolou seu princípio ativo e o descreveu como sendo um alcaloide, denominando-o pereirina.
"A pereirina é um alcalóide porque goza de propriedades bazicas, e é azotada. Digo que ella goza de propriedades bazicas porque forma com os ácidos combinações estáveis; e que é azotada porque o producto de sua distillação é sensivelmente ammoniacal. Não há princípio immediato algum azotado, com propriedades bazicas que não seja alcalóide" (Santos, 1848).
Com a descoberta do princípio ativo, o uso da solução proveniente da decocção das cascas do Pau-pereira foi substituído. Com isso, era ingerido pelo enfermo, quantidades suficientes do princípio ativo para obter a cura, e este deixava de administrar o remédio (decocto) em grandes doses diárias para obter o mesmo efeito. O decocto era obtido a partir de 15 a 30 g de cascas do Pau-pereira para 500 g de água. Já os banhos empregavam 500 ou 1000 g de cascas. O produto proveniente da decocção era utilizado nos sertões ou em lugares em que não existisse o medicamento de outra forma, mas os banhos eram bastante utilizados na cura de febres e erisipelas e na terapêutica infantil, já que a administração do alcaloide e posteriormente de seus sais era difícil por apresentar gosto amargo (Nina, 1883). A partir de 1838, os banhos com água obtida do cozimento da cascas do Pau-pereira, eram prescritos juntamente com o xarope de pereirina, tornando o tratamento mais eficaz.
Em fevereiro de 1838, Dr. Luiz Francisco Ferreira já relatava os efeitos da prescrição da pereirina e em março do mesmo ano era a vez do cirurgião Peregrino José Freire descrever a composição inicialmente receitada e amplamente utilizada: 12 g de pereirina dissolvidas em ácido sulfúrico diluído e misturado ao xarope (Rev Med Fluminense, 1838, 1840).
Além de Ezequiel, alguns químicos e farmacêuticos se dedicaram ao estudo do princípio ativo das cascas do Pau-pereira, por isso a dúvida acerca da prioridade da descoberta do princípio ativo.
No âmbito europeu a guerra pela primazia do isolamento da pereirina foi travada por Charles Henri Pfaff e Berend Goos, além de Pietro Peretti (1781-1864) e Pierre Joseph Pelletier (1788-1842) que fizeram suas análises na Europa. Robert Christian Barthold Avé-Lallemant (1812-1884), prático de farmácia alemão, instalado no Rio de Janeiro, convencido de que essas cascas dada as suas virtudes curativas seriam de interesse para muitos pesquisadores, enviou, em 1837, doze libras de cascas de Pau-pereira para Charles Henri Pfaff, à época um dos melhores professores alemães de Química Analítica (Rev Med Fluminense, 1840). A análise das amostras foi feita por Berend Goos, em 1839, sob orientação de Pfaff, tendo sido publicada nos Annaes de Medicina de Schmidt Leipzig, no mesmo ano. Para Goos, a pereirina obtida por Ezequiel é o verdadeiro alcaloide, porém misturado com uma substância vegetal resinosa e amarga (Rev Med Fluminense, 1840).
Apesar da pereirina ter sido descrita por Ezequiel e utilizada pelos médicos do Rio de Janeiro no combate as febres, em 1838, a descoberta deste princípio ativo, é atribuída ao farmacêutico hamburguês, Goos, pelos franceses François Dorvault e por Charles Adolphe Wurtz (Dorvault, 1886; Wurtz, 1873).
Pietro Peretti (1781-1864), professor de farmácia na Universidade La Sapienza de Roma, também é exaltado como descobridor da pereirina, mas seus estudos ocorreram apenas em 1839, sendo publicados em 1845, no Journal de Chimie Médicale de Pharmacie et de Toxicologie (Peretti, 1845).
Pelletier, o famoso químico francês, o primeiro a isolar a quinina, obteve os mesmos resultados de Ezequiel. Entretanto, Pelletier recebeu as cascas de pau-pereira apenas em 1840 (Pelletier, 1840).
A prioridade da descoberta da pereirina por Ezequiel foi inúmeras vezes contestada. No âmbito brasileiro, a maior contestação partiu de Jean Louis Alexandre Blanc, farmacêutico francês residente no Rio de Janeiro, que estudou e isolou o princípio ativo do Pau-pereira na mesma época que Ezequiel.
O trabalho de Blanc foi analisado pelo médico De-Simoni, cujo parecer foi publicado na Revista Médica Fluminense (1838). A pereirina obtida por Blanc apresentava características distintas da obtida por Ezequiel. Procurado pelo redator da revista, à época, para divulgar seus resultados acerca do isolamento do mesmo princípio ativo, Ezequiel negou-se a entregá-los e argumentou que um ano antes da descoberta de Blanc ele já tinha extraído a pereirina das cascas do Pau-pereira, e as tinha dado ao Dr. Luiz Francisco Ferreira para testá-la clinicamente (Rev Med Fluminense, 1838).
A publicação do artigo de Blanc despertou imensa revolta em Ezequiel, por demonstrar de acordo com o próprio, a "traição dos amigos" e de "sua incapacidade profissional":
"(...) desconceito lançado sobre meu crédito profissional com a mais feia ingratidão possível (...)" (Rev Med Fluminense, 1838).
Blanc reconheceu que a pereirina obtida por Ezequiel era uma substância mais clara do que a obtida por ele. Mas, isto talvez fosse devido ao aperfeiçoamento do método por ele empregado.
Muito provavelmente Ezequiel não revelou sua descoberta acerca da pereirina, devido a uma discussão com Blanc no ano anterior, sobre a composição e propriedades de uma pomada mercurial. Os efeitos desta pomada já eram conhecidos, mas uma longa discussão foi iniciada, pois Ezequiel tinha feito uma modificação em sua composição e a comercializava em sua botica. Blanc alegava ter realizado a mesma modificação na pomada mercurial, e a publicado na Revista Médica Fluminense.
O fato de Ezequiel ter fornecido ao Dr. Luiz Francisco Ferreira a pereirina para que este a testasse clinicamente, enquanto Blanc trabalhava ainda no processo de extração deste princípio, retoma a proposta de que foi Ezequiel quem, pela primeira vez, isolou a pereirina (Rev Med Fluminense, 1838).
Além da contestação da descoberta por outros pesquisadores, o nome proposto por Ezequiel para o princípio ativo do Pau-pereira foi contestado pelos Drs. Cypriano de Freitas e Bochefontaine, que propuseram geissospermina ougeissina, baseados na sinonímia científica dada por Freire Allemão (Bochefontaine & Freitas, 1877). Estes pesquisadores observaram em seus estudos que as folhas da árvore do Pau-pereira também apresentavam o mesmo princípio ativo, mas em menor quantidade. Para Antonio Gonçalves Ramos o princípio ativo do Pau-pereira deveria ser batizado com o nome do farmacêutico responsável por sua descoberta (Nina, 1883).
No entanto, pesquisadores brasileiros divulgavam a denominação pereirina com intuito de resgatar sua origem, os estudos acerca de nossa flora e os possíveis remédios que poderiam ser produzidos a partir das riquezas naturais do país (Nina, 1883).
A luta pelo monopólio da descoberta da pereirina é um bom exemplo para se revisitar as pesquisas sobre produtos naturais feitas no Brasil, no século XIX. A pereirina é, sem dúvida, o primeiro alcaloide isolado no Brasil. E de acordo com Domingos Freire:
"A reivindicação de nossos direitos sobre a pererina é não só um dever de patriotismo, mas ainda um protesto contra a usurpação de um direito incontestável - o da prioridade das descobertas" (Freire, 1880).


Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-695X2009000600026&script=sci_arttext

Postado por: Herbete Vitor

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